Rubens Barrichello é um dos maiores pilotos da história do automobilismo nacional. Ponto. Sem “mas” ou “entretantos”. Afinal, o piloto brasileiro conquistou números respeitáveis: dois vice-campeonatos mundiais, 14 pole positions, 11 vitórias, 68 pódios, 658 pontos e o recorde de participações em Grandes Prêmios na categoria: 326. No automobilismo nacional, no que se refere à F1, apenas nossos três campeões mundiais estão um degrau acima.
Resumindo: uma carreira excepcional. Só que aí tem um “mas”: foi marcada por erros dentro e fora das pistas e por uma crescente antipatia nacional. E tudo isso agora tem um fim melancólico. Depois de quase 20 anos, Rubens Barrichello não sai da Fórmula 1 pela porta da frente, por que quis. Sai pela porta de trás, sem vaga na Williams por não ter dinheiro suficiente para bancá-la.
Antes que alguém levante alguma pedra e ataque em mim como se eu fosse o Pê Lanza, vale um retrospecto dos altos e baixos de Rubinho na F1. Quando estreou pela Jordan no GP da África do Sul em 1993, o cara era uma grande esperança no automobilismo nacional. Chegava sem pressões, afinal o Brasil tinha, naquele momento, um dos pilotos mais badalados da categoria: Ayrton Senna.
Bom, acho que todo mundo sabe o que aconteceu em 1994. Aqueles acontecimentos também marcaram Rubens. Afinal, dois dias antes da morte do “Chefe”, como ele gostava de chamá-lo, o próprio Barrichello sofreu um grave acidente. Senna foi um dos mais preocupados naquele dia com o amigo. No hospital, o tricampeão disse: “Você tem uma grande estrela. O acidente poderia ter custado a sua vida”, ou algo assim. Até hoje Rubinho carrega uma estrela no alto do seu capacete.
A ligação emocional entre os dois e a ótima temporada de Rubens Barrichello em 1994 – levando a Jordan-Hart à sua primeira pole, na chuvosa Spa-Francorchamps, trouxeram um enorme peso de 100 e tantos milhões de brasileiros para as costas do piloto. E ele pediu por mais: correu no Brasil com as cores do capacete do “Chefe”, algo até que virou lugar comum nas temporadas seguintes.
Era uma pressão que ninguém precisava. Nem ele.
Rubens Barrichello não era Ayrton Senna (aliás, ninguém é Ayrton Senna. Cada um tem sua história, que não é necessariamente maior ou menor, apenas diferente) e, quando os resultados esperados não chegaram, a pressão e o descrédito apertaram. Rubinho errou ao acreditar demais em Eddie Jordan, negando até um convite para pilotar pela então decadente McLaren. O brasileiro viu os carros prateados virarem foguetes e sua Jordan virar abóbora (literalmente). Ficou quase a pé pela primeira vez, para ser resgatado na recém-criada equipe Stewart.
Na Stewart, Rubens novamente se destacou. Não deu a primeira vitória para a equipe, mas fez bonito em 1999. Foi o suficiente para ir para a Ferrari em 2000, ficando ao lado do então bicampeão Michael Schumacher como segundo piloto. Só que Rubinho preferiu fugir da realidade e adotou um discurso mais ridículo que sua sambadinhas no pódio: não era o segundo piloto da Scuderia, mas sim o “1-B”. Assim, tínhamos dois motivos para vergonha alheia.
Rubens Barrichello teve uma importância muito grande na hegemonia da Ferrari nas temporadas seguintes. O cara sabia desenvolver o carro como ninguém. Só que ele não era a grande estrela. Houve faíscas disso, principalmente na primeira vitória, na Alemanha (em 2000, sob chuva e com pneus de pista seca. Heróico!) e na Inglaterra (2003, com o padre irlandês invadindo a pista e tudo mais). Eu vibrei, você também e o Rubinho, claro, muito mais.
Só ficamos com vergonha, mais uma vez, da sambadinha.
Porém, o lugar do brasileiro era de segundo piloto. E como o próprio não aceitava isso publicamente, nos deparamos com vexames como os dos GPs da Áustria e Estados Unidos, em 2002. E ainda teve todo aquele discurso de “é um brasileirinho contra esse mundão todo”. Menos, bem menos.
Depois da Ferrari, Rubens Barrichello viu cair em seu colo uma oportunidade de ouro: pela primeira vez, o melhor carro da categoria era seu e não havia “primeiro” ou “segundo” piloto. Foi em 2009, na recém-criada (e depois finada) Brawn GP, que nasceu das cinzas da Honda. E aí foi que aconteceu a pior falha na carreira do piloto: se ver superado por um piloto que, para todos, era considerado “tão acabado” quanto ele: Jenson Button. Button foi campeão mundial, consolidou seu nome como grande piloto e deu a volta por cima. Rubinho fechou o ano com duas vitórias, um terceiro lugar no campeonato e a fama de que nunca conseguirá ser campeão mundial com um carro nas mãos e uma equipe a seu favor.
Existe um filme muito bom, de 1966, chamado Grand Prix. Se não viu, veja. Apenas tenha saco, já que são mais de três horas de longa-metragem. No meio desta enorme epopéia, o japonês Izo Yamura, dono da equipe Yamura (e baseado no Soichiro Honda, fundador da Honda), conta para seu piloto recém-contratado, o estadunidense Pete Aron (James Garner), que “há, no mundo, apenas 20 e poucos pilotos aptos a pilotar um carro de F1. Destes, apenas metade tem capacidade para vencer corridas. E você é um deles.” Eu completaria: apenas metade destes com capacidade de vitória possuem a competência para serem campeões. E isso, infelizmente, Rubens Barrichello nunca teve. Porém, não deve ser desrespeitado por isso. Afinal, ninguém por aqui nunca jogou ovos em Gehard Berger, simpático austríaco e segundo piloto de Senna nos tempos de McLaren. Lá na Áustria, então, o cara é um ídolo.
Depois disso tudo, chegamos em 2012. Rubinho acumulou duas temporadas na Williams. Apostou no projeto, tentou desenvolver o carro, fazer a equipe novamente grande e, quem sabe, ter a sorte de ter uma “nova Brawn” nas mãos. Não rolou. Mesmo vendo o contrato acabando, a falta de dinheiro da equipe, a inexistência de patrocinadores pessoais e pilotos mais jovens interessados, o cara não arredou pé. Não saiu pela porta da frente. Não se despediu com todas as honras em um último GP em casa. Não fez nada disso.
Rubens Barrichello preferiu, após 326 Grandes Prêmios, sair por um comunicado. Que nem tinha seu nome, mas sim de seu substituto: Bruno Senna, que deve herdar, infelizmente, todas as pressões do antecessor, numa combinação nada agradável com o sobrenome do tio.
É, Rubinho. Não precisava ter sido assim.Fonte:Redbull